Quinta-feira, 19 de Junho de 2008

#28 - terapia natural

           Eu sou comediante. Eu compreendo que esta afirmação não seja fácil de digerir em poucos segundos, por vezes até eu próprio duvido que seja comediante, mas sou, seus engraçadinhos. Sou porque acredito que quem recebe dinheiro pelas suas piadas, seja em que formato for, é um comediante. Escrevo piadas, actuo-as e um coitado de um dono de um bar paga-me depois. Alguns contrariados, como um que me pagou em notas queimadas, mas pagam. É óbvio que há comediantes melhores, outros piores, e sinceramente nem sei se à “linha de água” imaginária chego, isto dito sem falsas modéstias, porque basta andarem na net cinco minutos para descobrirem vários comediantes, em Portugal inclusive, com muito, muito talento. Pronto, dez minutos, que eu sei que vocês usam a net para outras coisas. Não obstante, eu sou comediante. E sei o que valho. Ou agora sei o que valho.

            Quando se começa uma carreira como comediante, e quando digo começa tenho noção que mesmo dois anos depois da minha primeira actuação ainda estou no começo, vários problemas de auto-realização nos vão atormentar o espírito. Digo “nos vão” como se “fossemos muitos” mas para ser sincero só me conheço a mim. Era para não me sentir sozinho, desculpem. Mas esta crónica é sobre as minhas dúvidas/inseguranças como comediante, e de como lentamente as consegui ultrapassar. Sim é terapia. E vocês estão a ser excelentes ouvintes. É 50 euros por sessão?
            Fazer rir é algo que 95% dos seres humanos fazem muitas vezes sem esforço algum. 98% se estes últimos 3% tiverem gases. É algo que acontece naturalmente e que não requer um planeamento ou um treino específico. Ninguém treina anedotas ao espelho para dizer aos colegas no trabalho. E se alguém o faz precisa de tanta ajuda psicológica como o Josef Fritzl. Conta-se a anedota, ri-se da anedota e bebe-se outro café, quiçá brindando à anedota. Mas quando se é comediante a pressão aumenta exponencialmente e não deve ser complicado perceber porquê. Se vocês forem violinistas, saem da sala de concertos e/ou de ensaios, arrumam o instrumento no saco (“that’s what she said”) e vão à vossa vida. Um comediante, aos olhos de todos, tem sempre de estar a fazer rir. Já me aconteceu várias vezes numa noite de copos conhecer pessoas novas, pessoas que nem sequer sonhavam que eu como individuo existia neste planeta. Minutos depois a conversa evolui naturalmente para o que fazemos profissionalmente (Nota do autor: acredito que este momento chega sempre cedo nas conversas porque as mulheres querem eliminar os solteiros não tem carro próprio). Nesta altura da conversa menciono que sou comediante e acabo sempre por receber o olhar mais bruto que uma pessoa pode dar a outra. É aquele olhar acompanhado de um leve torcer de pescoço a 30º e inclinação para a frente, em que se pode ler nos olhos de quem nos fita: “Comediante? Comediante?! Mas ainda não me fizeste rir! E aposto que nem tens carro próprio…”.
            Esta é a verdade. Custa estar sobre esta pressão, mas não é o pior. A mim aquilo que me custava mais era estar rodeados de pessoas com “piada natural”. Eu explico o que acho que são estas pessoas. Estes seres humanos são aqueles que nasceram com a gigantesca e irritante facilidade de abrirem a boca e fazerem rir todos aqueles que os rodeiam. São os Cristiano’s Ronaldo’s da comédia, se acharem que Portugal vai longe no Euro. Devem conhecer alguma destas pessoas. É que eu não sou uma delas. Na minha inocência e total falta de segurança julgava que por ser comediante tinha de combater até à morte com estes indivíduos e a verdade é que, provavelmente, é mais fácil encontrar alguém com mais piada natural que eu, do que a Amy Whinehouse estatelada no seu hall de entrada com as cuecas na cabeça. Isto custava-me porque achava que ser comediante era ser o “mais engraçado da sala”. Era o que eu via nas minhas maiores influências e nos comediantes à minha volta. Mas não é. Olhei com mais atenção e vi que alguns dos melhores comediantes que me rodeavam eram estupidamente tímidos e passavam maior parte do tempo calados. Depois subiam a palco ou escreviam uma piada e eu soltava pinguinhas nas cuecas. Algumas vezes literalmente.
            Conclusão da crónica humorística com menos piada natural da história? Um comediante não tem de vos fazer rir constantemente. É alguém que, quando necessário, faz aquilo que sabe que faz bem. Não somos macaquinhos treinados que dão cambalhotas enquanto ardem ao som de um acordeonista esloveno, somos pessoas normais que de vez enquando também precisam de arrumar o violino. Não nos censurem, por favor. Digam só olá, sorriam, e peçam com jeitinho uma das nossas melhores áreas de Wagner. (Nota do autor: Wagner não tinha carro próprio.)
 
            Guilherme Fonseca 
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publicado por Guilherme Fonseca às 00:09
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De nunojudas a 19 de Junho de 2008 às 08:27
o que eu queria dizer é que concordo com o guilherme fonseca. ok? pronto. e queria dizer que o comentário do N é tão a proposito que deve mesmo ser uma piada. a proposito porque a cronica fala de comedia e comediantes e da obrigação que estes têm (ou não) de fazer rir. e o senhor fez aquele comentário... hehehhe confesso que ri um bocadinho porque era mesmo a proposito.
1 - eu achei piada à cronica
2 - quem é que disse a quem que uma cronica tem de fazer gargalhar?
3 - eu tinha um ponto 3 preparado mas esqueci-me, por isso levanto a cabeça e saio com ar altivo. O pano desce e o publico bate palmas.

Espero nao ter feito muito barulho oh vizinho. Vou já para casa. Abraço.


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