Mesmo sob o risco de soar a “velho”, o digo: Andar de avião já não é o que era. As low costs vieram ajudar a carteira mas estragaram a experiência que era cruzar a tropo-esfera dentro de uma lata com asas. Cortam em tudo o que é custo e quem se lixa é o amante do ar, aquele que adora ver o seu filmezinho e que até, acreditem, gostava da comida de aviões.
Estive uma semana fora de Portugal e fiz 3 viagens de avião. Todos em low cost obviamente, ou não fosse eu o indivíduo mais desempregado de Lisboa. De moedas contadas lá se acertaram aeroportos e horários e parti em viagem. Apenas para ficar triste e desiludido. A crise não só nos impede de comprar prendas de natal (use desde já esta fantástica desculpa grátis patrocinada pelo stand-upmagazine.com) como retirou os pequenos prazeres e gestos característicos que haviam em voar. E nem estou a falar em hospedeiras giras.
Começa no entrar e sair do avião. Já não carrinhos que nos transportem. Vão a pé e é se querem. Culpem mas é quem fez os aeroportos tão compridos. De mala na mão lá se vai à chuva, ao vento e aos reactores pela pista fora, sem qualquer tipo de guia. Formiguinhas em fila, que ao mínimo nevoeiro se espalharam pela Europa em voos desconexos.
Quando lá chegamos o ambiente é o do costume. Hospedeiras à porta dizem olá em 17 línguas perceptíveis e em Francês, sempre de sorriso. Mas é tudo para enganar. Depois procuramos lugar para sentar e dá-se o segundo choque. Como não há lugares marcados parece uma loja em saldos, na época do natal. Mulheres e homens a correr desenfreadamente para ficarem nas janelas. Vão o quê? Perder aquela foto das nuvens com meia asa desfocada em primeiro plano? Por favor.
Depois vem a comida. Dantes era uns pratos intragáveis que só eu gostava no universo. Agora, aquela salada de frutas fria e a “omelete de borracha” já não parecem tão maus. Café? 1.50 euros. Kit Kat? 3.50 euros. Passar fome? Grátis. Fiquei genuinamente surpreendido quando me pediram dinheiro, mas nem de perto com o que vi a seguir. As instruções de segurança. Nunca, mas nunca julguei que alguém pudesse apontar para uma saída de emergência com tão pouco entusiasmo. Aquilo que era uma coreografia agradável e típica do momento é agora um moroso frete de uma mulher sobre-maquilhada. Já não há amor quando fingem que enchem o colete ou apertam e desapertam os cintos no ar. Há desgosto. Triste. Olhares vazios e sem alma.
No entanto, alguns momentos serão para sempre eternos nos voos de avião. E este em particular faz-me confusão. O avião aterra, começa a abrandar e do meio do zumbido que todos temos nos ouvidos… palmas. Toda a gente bate palmas. Porquê? É estatisticamente mais provável morrerem num desastre de automóvel que num de avião, mas todos rejubilam como se o Ruy De Carvalho tivesse lido poesia. Nunca ninguém me bateu palmas quando estacionei o carro às 4 da manhã no Bairro Alto. Numa rua a descer. Só com pontos de embraiagem. É porque conduziu muita gente ao mesmo tempo que tem direito a palmas? Já vi famílias enxovalhadas em carrinhas a caminho da Costa da Caparica durante o verão a terem viagens mais perigosas.
A minha pergunta é: Queremos continuar a viajar em verdadeiras tascas ambulantes? Em verdadeiras feiras da ladra do ar? Onde até raspadinhas nos tentam impingir entre idas à casa de banho? E apenas pelo baixo custo? É um verdadeiro dilema actual, que em tudo nos deixa perplexos com o estado da actual crise. Sou a favor de um revivalismo do turismo do ar. Sou a favor de um mundo onde se receba pouco por um bilhete mas se demonstre o mesmo tipo de amor e entusiasmo do “antigamente” dentro de um avião. Uma palma de cada vez.
Ainda a estalar tímpanos,
Guilherme Fonseca