Nós somos o povo que tínhamos um pastel de nata sem sabor e fomos ao outro lado do mundo para ir buscar canela. Somos o povo que é capaz de fazer uma espera a um indivíduo da EMEL só para não pôr moeda ou insultar a mãe dele. Somos o povo que deu a volta quando estava a perder 2-0 com a Inglaterra e foi ganhar 3-2. Somos o povo que se moveu em bloco para ir encher auto-estradas, só porque um autocarro com 22 jogadores de futebol estava de viagem por lá. Somos o povo que fundou o seu país andando à porrada com a própria mãe. Somos esse povo mas não somos capazes de ir votar a um domingo à tarde.
O acto de votar é simples e é constituído por três passos. Passo 1: Ouvir os candidatos a falar. Sobre qualquer coisa. Em qualquer lado. Com qualquer militante ou jornalista. É que não é preciso fazer muita pesquisa. É preciso saber o que os candidatos pensam sobre os temas mais importantes e saber se concordamos ou não com eles. Passo 2: Sair de casa, ir a uma sala com divisórias a fazer lembrar lojas de roupa, fazer uma cruz num papel, dobrar esse papel em quatro e pô-lo dentro de uma caixa grande. “O Gervásio demorou três minutos a votar. E você?”. Passo 3: passar a noite em casa a coçar apetrechos físicos mas trocar o canal de televisão do “Tá a Gravar” para uma mega operação da RTP dentro dos Jerónimos. Se não quiserem saber quem ganhou, ao menos vejam como eles iluminaram aquilo por dentro. Digno de uma discoteca em passagem de ano.
São três simples e fazíveis passos mas nós não conseguimos sair de casa para votar. Ao menos há uns anos usávamos desculpas. “Não posso hoje”; “está sol”, “é complicado com a minha sogra de cama”, “estou doente”, “tenho alien’s cá em casa a verem resumos da Champions que gravei”. Hoje em dia já nem isso fazemos por nós próprios. “Não quero”, “não gosto”, “não sei”. Passámos de adolescentes a baldarem-se às aulas para crianças a fazerem birra pelo almoço.
As desculpas que demos para não irmos votar foram principalmente duas. “Não estou informado o suficiente” e “votar não muda nada, isto fica tudo igual”. Não estão informados o suficiente, o “tanas”. Quem é o defesa esquerdo do Marítimo? Quem marcou o golo do Benfica contra o Sporting em 1986? Quanto custa um gloss da Garnier? O que está em desconto na Worten? Engraçado que é provável que saibam a resposta de 3 destas 4. Votar não muda nada, o “tanas”. Para os professores se juntarem e manifestarem-se contra Ministros “a força faz a diferença” mas para votar em dirigentes “Isto fica tudo igual”? Se tivéssemos tantas pessoas a votar como a ir bater na equipa do Benfica ao aeroporto depois de uma derrota, a abstenção descia para metade.
Termino este desabafo crítico com um relato romano. Quando andavam a povoar a Europa com as suas coroas de louro viram-se confrontados com a Península Ibérica. Maior parte não deu problemas mas um território junto ao mar deu que falar. Um enviado romano encarregado de fazer o relatório das conquistas disse o seguinte no relatório da Península Ibérica. “Não está a dar problema na sua maior parte mas há ali um povo difícil junto ao mar que não se governa nem se deixa governar.” Somos nós. E se já éramos assim quando haviam romanos a espadeirada pela Europa, imagino quando é domingo e temos de dobrar uma folha em quatro.
Na esperança de ver mais 60% de folhas dobradas em quatro
Guilherme Fonseca